sábado, 27 de junho de 2009

Tatúrula: Sinfonia do Medo








Tenho, daqui do meu cantinho, acompanhado o esforço do cineasta paulista Rubens Mello para realizar o filme "Tatúrula, Sinfonia do Medo". Leigo que sou, imaginava que fazer um filme independente era ter "uma câmera na mão e uma idéia na cabeça" A priori, é. Mas fazem-se necessários pelo menos mais dois ingredientes: Coragem e talento. Rubens Mello tem os dois. Sobrando.

Recentemente li uma entrevista de Caetano Veloso, cantor que certos segmentos da imprensa insistem em taxar de decadente, declarar que, de um modo geral, nos EEUU, ciosos de sua própria cultura, não vaiam seus artistas porquê valorizam o que é deles.

Verdade. Já me perguntei por quê Gwyneth Paltrow tascou o Oscar de Fernanda Montenegro, uma atriz brasileira com décadas de experiência à sua frente e porquê Tim Burton e os estúdios Universal derramaram milhões de dólares para produzir um filme magistral sobre Edward D. Wood Jr., um diretor obscuro dos anos cinquenta que, ao contrário do brasileiro Rubens, era desprovido de qualquer talento aparente? Caetano sabia, eu estou aprendendo e o Ministerio da Cultura devia ser avisado.

Observar "Tatúrula" em seu estágio embrionário está me proporcionando, à maneira do filme "A Noite Americana", de Francois Truffaut, um espetáculo dentro do outro, O primeiro bem poderia ser um documentário chamado "Como é difícil fazer um filme" ou, numa chamada mais Ceará-moleque: "Nóis sofre, mas nóis goza". Isso porquê percebe-se uma quase palpável alegria, no envolvimento de cada elemento do "cast and crew". Desamparada pelo mecenato estatal, a equipe dá uma preciosa lição de vida e de trabalho. que me tira muito da tristeza e desalento que me dá ao contemplar o árido panorama da cultura nacional, no que se refere à captação de recursos. O segundo espetáculo será o filme em si, uma história que, a meu ver, parece ser feita sob medida para romper com o que o experimentado Rubens chama de "preconceito absurdo em relação ao cinema de terror nacional".

Dividido em sete episódios independentes, "Tatúrula" é um exercício de psicologia bem fundamentado na teoria de Freud sobre a gratificação dos instintos, aqui desequilibrada pela falta de interferência moral do superego. O objetivo do trabalho, afirma Rubens, é a "apresentação desses desejos, angústias, medos e alucinações que alimentam os monstros- "Tatúrulas"- que habitam nosso interior.

Rubens Mello, diretor e roteirista, foge da mentalidade protestante que permeia a grande maioria das produções americanas do gênero, alcançando um patamar de originalidade e denúncia social similar a que tinha a revista "Tales from the Crypt", antes da perseguição movida pelo mondrongo Frederick Werthan, autor do livro "A Sedução do Inocente" e excrescências fascistóides tipo "Comics Code Authority".

A comparação de "Tatúrula" com os quadrinhos, não é descabida, pois cinema e HQ, do ponto de vista linguístico, andam de mãozinhas dadas e este filme mesmo, além de já ter a própria adaptação quadrinizada, inclui um episódio em desenho animado 2D: "Anunciação", contando com o auxílio luxuoso da voz de ninguém menos que José Mojica Marins, pai do personagem Zé do Caixão e colaborador de Rubens desde longa data.

Tudo leva a crer que "Tatúrula, Sinfonia do Medo", será uma obra de grandes qualidades, merecedora de repetir o triunfo de José Mojica Marins em eventos como o Festival de Cinema Fantástico de Avoriaz, entre outros, não restando dúvida de que o maior premiado pelos esforços do diretor e equipe será, como sempre, o público.

domingo, 21 de junho de 2009

Cidadão Instigado: Ode ao Mendigo Barbado




A primeira vez que ouvi "O tempo", canção composta, arranjada e interpretada pelo guitarrista Fernando Catatau e sua excelente banda Cidadão Instigado, pensei: Ah, legal! E foi só.

"Mas o tempo é/um amigo precioso" e com uma audição atrás da outra fui percebendo a beleza daquela letra, daquele arranjo e até da pequena, mas bem utilizada voz de Fernando, e não se consegue imaginar outra voz senão a dele cantando aquilo. Após algum tempo não consegui parar de ouvir a canção, descobrindo aos poucos cordas, vocais, teclados tudo num trabalho gostoso de ouvir, mas que, dada a sua complexidade, deve ter dado um trabalhão pra fazer.

Confesso que sempre tive uma inveja roxa da cena de Recife, que desde os anos 70 - pra dizer o mínimo- dando o que falar, haja visto e ouvido Alceu Valença Zé Ramalho, Lula Cortes, Lenine, a antológica banda Ave Sangria e outros mais.

O conterrãneoo Catatau foi mais esperto: Em vez de invejar, trabalhou. E o resultado é que o "mendigo barbado", imagem que segundo Catatau, na canção "Silêncio na Multidão" os desavisados fazem dele próprio, faz um trabalho riquíssimo, que torna-se de imediato um amigo precioso dos ouvidos mais seletivos que tiverem a sorte de ouvi-lo.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Aranhões Voadores ou: Não sou o Capitão Caverna, mas dou minhas cacetadas




Tive recentemente a sorte de ouvir de um preclaro parente a seguinte assertiva: "De que adianta ter um blog se ninguem comenta? Deve ser melancólico abrir o blog e não ver comentário nenhum".

Concordo com a franqueza típica do parente. Seria deslavada hipocrisia escrever na Internet e afirmar que deseja o anonimato.

Todavia, homem de pouca juventude muita barriga, não estou aqui para deitar retórica a fim de impressionar universitárias, coligir seguidores sequiosos de tiradas espirituosas ou consolar onanistas com alguma obscenidade virtual. Desaquendado de encantos físicos e intelectuais que sou, fracassaria retumbantemente nos dois primeiros quesitos. E quanto ao terceiro, sugiro aos interessados que estendam suas buscas à pqp.

Pela feição que toma este blog, é forçoso reconhecer que está mais para os "sinistros aranhões" cuja psicologia Aluísio de Azevedo traçou com extrema propriedade no trecho de Casa de Pensão" que tomei a liberdade transcrever no post anterior.

No século XXI, tais aracnídeos metamorfosearam-se. Revestiram-se de nova aura de esperança e, graças a meios como a web, saíram do ostracismo para ser, parafreseando Azevedo, mais uma pérola no diadema virtual . Podem ser cultores/realizadores de filmes low-budget, guitarreiros, presidentes de fãs-clubes de algum antigo seriado de TV, gente que viveu os tempos mais escuros do século passado de uma distãncia segura e confortável, mas que, por uma questão de sensibilidade e dignidade sofreu também têm muita história pra contar (e ouvir) daqueles tempos insequecíveis no pior e no melhor sentido. Ou pode ser o simples ser humano, sem talento maior que não o desejo de saber mais, de se comunicar mais e que não se conforma em aceitar como verdade universal apenas o que a mídia despeja em seus olhos e ouvidos. Mesmo que nunca passem por aqui. mesmo que não deixem quais quer marcas de sua passagem. Minhas idéias de Jericho vão ficar aqui e espero que aproveitem alguma , por mais improvável que isso possa parecer.

A todos estes anti-heróis que, apesar de tudo e de alguns, não desistiram de botar pra foderreter,

Um abraço fraterno!

Um trecho do livro "Casa de Pensão", de Aluísio Azevedo

Mas o certo é que as obras se fizeram, e a célebre casa de pensão de Mme. Brizard, outrora tão animada e concorrida, transformou-se num desses melancólicos sobradões de alugar quartos, que se observam a cada canto do Rio de Janeiro e onde, promiscuamente, se aninha toda a sorte de indivíduo, mas de indivíduos que já foram alguma coisa ou de indivíduos que ainda são nada.

Aí, as mais belas e atrevidas ilusões vivem paredes-meias com o mais denso e absoluto ceticismo. Velhos boêmios, curtidos no veneno de todos os vícios e no segredo de todas as misérias, encontram-se diariamente, ombro a ombro, com os visionários estudantes de preparatórios.

É nessas praias desamparadas à ventania da sorte que a sociedade costuma arrevessar o destroço dos que naufragam nas suas águas, mas é daí também que ela pesca às vezes novas pérolas para o seu diadema. Há de tudo — homens de todas as nacionalidades, sujeitos de vida misteriosa, solteiros libertinos e neutralizados pelo venéreo, artistas completamente desconhecidos que se imaginam vítimas do meio, e supostos talentos que vivem para amaldiçoar a fortuna dos que conseguiram vencer a onda.

Quase todos eles têm na sua vida um fato, uma época, uma coisa extraordinária, para contar: um, apresenta a honra de lhe haver morrido nos braços tal homem célebre; outro, diz que foi amante da senhora condessa de tal; outro, afiança e jura ser o verdadeiro, se bem que obscuro, promotor de tal acontecimento histórico; outro revela um romance de amor que lhe cortou a carreira, mas que o imortalizará em vendo a luz da publicidade; outro, confia numa invenção, "é o seu segredo", um projeto mecânico, ou industrial ou econômico-político; outro, não aceita emprego nenhum do atual governo, e espera a ocasião de "pegar numa espingarda e fuzilar as velhas instituições de seu miserando país"; outros, enfim (e são os menos raros), têm apenas para exibir em honra própria a circunstância de algum parentesco ilustre.

Ah! Não se encontram aí notabilidades de nenhuma espécie, mas sim os parentes. Este, é o sobrinho de tal poeta ilustre; aquele é irmão do ministro tal, que deu o nome a tal rua; este outro, cunhado ou primo em terceiro grau do glorioso artista Fulano dos anzóis.

E os tipos, quando lhe tocam nisso, enchem-se de orgulho, como se participassem das glórias do festejado parente; pelo menos, ninguém os apresenta a qualquer pessoa, sem acrescentar logo, com assombro: "Irmão de Sicrano!... cunhado de Beltrano!"...

Então o apresentado costuma abaixar os olhos, sorrindo modestamente, como se dissesse: "Ó senhor! Por quem é... não me confunda!"

É também desses viveiros sombrios e malcheirosos que surgem certas figuras que, às vezes, nos espantam na rua — a tossicar dentro de um sobretudo enorme, um xale-manta em volta do pescoço, um bengalão entre os dedos e na fisionomia um ar melancólico e ao mesmo tempo irritado.

É daí, desses quartos silenciosos, úmidos e tristonhos, como sepulturas vazias, que surgem com o seu passo inalterável e pausado os sinistros aranhões, que vemos passar estranhamente pelos jardins públicos, ao sol das boas manhãs de inverno.

Coitados! São em geral homens sem meios de vida, protegidos por algum figurão qualquer, de quem, ou foram colegas na academia, ou ainda continuam a ser parentes com a mais cruel pertinácia. Quando falam desse protetor feliz e rico não se animam a dizer mal, mas a sua fisionomia acode um invencível sorriso cheio de velha bílis acumulada e sôfrega por transbordar. Uns vão regularmente comer a certas casas comerciais, outros se arranjam pelas impossíveis casa de pasto da Cidade Nova, os "freges", onde as refeições não passam de duzentos réis. Alguns têm almoço seguro à mesa de um velho amigo de melhores tempos, o jantar em casa de outro; às sextas-feiras são infalíveis nas comezainas gratuitas dos frades de São Bento. Uns, passam a noite na jogatina, percorrendo espeluncas, tomando café nos quiosques às quatro e meia da manhã e então, durante o dia seguinte, dormem a fartar; outros, recebem donativos de alguma irmandade religiosa, à qual se filiaram em épocas de prosperidade.

São sempre vistos, em horas determinadas, no jardim do Rocio, no Passeio Público, assentados no banco de pedra, lendo jornais à sombra das amendoeiras, às vezes têm ao lado a botina que descalçaram por amor dos calos; são vistos igualmente nos edifícios públicos em construção, acompanhando as obras com interesse, como se estivessem encarregados disso, fazendo perguntas, ralhando com os operários, numa necessidade irresistível de aplicar, seja como for, a sua atividade desocupada e vadia. Não há motim, não há incidente de rua, por mais ligeiro, em que eles não intervenham, tomando logo a parte principal na coisa, repreendendo o agressor, conciliando o agredido, fazendo enfim acreditar que ali está uma autoridade civil em pleno exercício de suas funções.

São violentos quando lhes falam de política e só se referem aos homens de poder com palavrões brutais e desabridos; a alguns nomeiam sempre com alcunhas determinadas e todos os outros, que ainda não receberam o batismo de sua cólera invejosa, são indistintamente "os ladrões, os patoteiros, os vis, os traidores, os capachos do rei!" Através dos cerrados negrumes naquela miséria e daquele ressentimento, nada enxergam de bom e de legítimo.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Ah, se eu te encontro, Ilona Massey



Atriz de filmes clássicos como "Frankenstein Meets the Wolf Man" (1943) e "Love Happy" (1949), este último com os Irmãos Marx, a bela húngara Ilona Massey (1910-1974)), segundo um conhecido historiador local, morou algum tempo aqui Fortaleza, mais precisamente na Praia de Iracema. Presumo que isso tenha sido na época em que os oficiais americanos basearam-se na cidade durante da II Guerra, pois Ilona era casada com um oficial americano, Donald S. Dawson, que foi peça importante na eleição do presidente Harry Truman, aquele mesmo que mandou espancar Zé Bodinho.

Como sonhar não é proibido, até hoje eu imagino como seria legal vê-la passar por mim e, com uma uma cavalheiresca vênia, pedir-lhe um autógrafo e perguntar-lhe bobagens tipo como foi trabalhar com o compatriota Béla Lugosi.

Infelizmente, nasci noutra a época. E o que há para ver na Praia de Iracema hoje em dia...

P. S. " Truman manda espancar Zé Bodinho" foi uma manchete obviamente tendenciosa que um jornal de esquerda publicou em Fortaleza quando o dito jornaleiro sofreu torturas numa cadeia local devido às suas conviccções políticas. Ou teria a bela Ilona algo a ver com o caso? Mistérios...